Quase não ando mais a pé, com exceção do meu quarto ao resto da casa ou até o portão.
Ando pelas ruas de moto ou de carro e sinto cheiro de cidade atrasada que não enxerga o agora, só o daqui a pouco.
Como sou parte de um meio, membro de um grupo, unidade de um coletivo também vivo aqui sem ver e vejo lá na frente o que ainda não existe.
Às vezes olho para trás como num retrovisor e sinto algo que chamam de saudade, saudosismo, mas logo percebo que isso também não existe e passo a olhar o agora.
Mas olho tão rápido e não tarda minha visão está lá na frente, no que ainda não existe, no que ainda vou fazer sem perceber e atentar para o que estou fazendo agora e assim também não vivo.
As horas encurtam, o tempo passa com tanta coisa por fazer. Acabo fazendo pouco por indecisão do que fazer agora. E nesta seleção macabra do que fazer acabo por buscar o que dá mais prazer. E neste grupo de tarefas quase tudo não era para se fazer e acabo aumentando o que realmente deveria fazer.
E nessa vida louca de interior que não se difere mais da capital, continuo vivendo lá na frente onde o mundo ainda não existe e nem vai existir se o aqui e agora não for realmente foco de minha atenção.
Na rua quero é chegar, aonde chego quero é sair pois tenho que voltar pra algum lugar.
Dia desses quando meu pé insistia em obedecer ao frenesi de minha mente habituada ao correr da vida contemporânea e minhas mãos insistiam em ligar o rádio que toca sem eu ouvir a música, mudei meu paradigma e desacelerei. Para minha “vozinha” interior fruto de minha mente falei bem claro: calma, hoje quero ouvir a cidade.
D MELO
Originalmente publicado em Recanto das Letras, onde poderá ser lido o original e outros textos do autor.