Direitos! E só direitos.
ELDER CARDOSO, advogado
Seria trágico se não fosse cômico.
Imagine que você compra um produto, é enganado e não consegue resolver o problema diretamente com o fornecedor ou comerciante. A solução quase sempre vai parar na justiça ou na polícia.
Esta semana uma notícia sui generis chamou a atenção: um rapaz comprou cocaína e recebeu farinha de trigo. Foi reclamar com o fornecedor e não encontrou ninguém.
Solução para consumidor frustrado: chamou a polícia.
O mais curioso é que a polícia resolveu o problema, pois recuperou o aparelho de som que havia trocado pelo pó da discórdia.
Este comportamento reflete uma estranha percepção da sociedade moderna, a de que direitos são absolutos.
Pois não importa se o comportamento não é aceito pela sociedade, se é crime, ou se o pedido é esdrúxulo, o que importa é a satisfação imediata de suas vontades.
É a demonstração do supremo individualismo e egoísmo misturado com desprezo por normas que buscam ou refletem o bem estar coletivo.
Nossa sociedade adota uma tendência ao hedonismo, como filosofia de vida que coloca a felicidade atrelada ao prazer.
E este prazer tem sido buscado a qualquer custo, como no caso em análise, com uma total abstração ou alienação de que sua conduta é reprovável para garantia de seus direitos, mesmo que os deveres não estejam nem de perto sendo cumpridos.
É uma conduta psicológica perigosa, de um ser que se acredita vítima, que não colabora com a sociedade, mas lhe exige uma prestação de serviços.
É o membro irresponsável da sociedade, que não assume uma postura de colaborar para sua melhoria, mas apenas suga e cobra.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela ONU em 1948: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. .
A explicação final e de fundo desta conduta é sempre a pobreza moral e espiritual, na qual há uma ausência de compreensão de valores básicos, tais como a fraternidade e o respeito, em relação com a regra básica sempre lembrada de que não devemos fazer para os outros o que não queremos para nós mesmos, estabelecendo a exata medida de atuação que deve ser buscada na vida em sociedade.
Caráter
DEFENESTRANDO/Daniel Polcaro
Cada um tem uma definição pessoal, talvez até diferente do dicionário, para esse parâmetro, que é o responsável pela condição em que o mundo se encontra.
Tudo, absolutamente tudo é resultado do agir das pessoas – e o caráter delas que determina como se age.
Caso recente no Rio Grande do Sul, em que o sujeito procurou a polícia após comprar farinha achando ser cocaína, permite a análise de como é o processo de conduta do ser humano numa sociedade individualista, que coloca como de extrema necessidade atender o próprio corpo humano, mesmo que com substâncias que o adoeça.
Os seletivos e simplistas sem coração, diriam que usuários de drogas podem se matar desde que não prejudique o restante da sociedade.
A questão é mais profunda e exemplifica todas as demais situações que envolvem a vida em sociedade. Todas pequenas atitudes corruptas (uma gorjeta para conseguir o melhor lugar para estacionar – alimentando, talvez, inclusive uma rede corrupta de loteamento de espaço público) são resultados do caráter corrompido, brecha determinante para a situação de país em que tudo se dá um jeito, que sempre uma segunda via pode suavizar qualquer tipo de problema.
A moral é alimento para o caráter. E segundo Lawrence Kohlberg (1927-1987), a moral se desenvolve em seis estágios ao longo da infância, da adolescência e da vida adulta: nos dois primeiros estágios, ditos pré-convencionais, a conduta moral é determinada pelos conceitos de punição, recompensa e reciprocidade, nos dois estágios convencionais, a conduta moral considera o que as outras pessoas julgam correto, o respeito pela lei e a manutenção da ordem social, nos estágios pós-convencionais, o indivíduo é o juiz definitivo da conduta moral, com base na própria consciência e em princípios morais universais, e não a partir de normas sociais.
Nesse aspecto, o usuário de drogas poderia dizer que é seu próprio juiz e que não se baseia em normais sociais. Mas se ele alimenta uma rede de tráfico de drogas – igual uma pessoa ‘correta’ alimenta os flanelinhas -, ele alimenta uma rede capaz de praticar assaltos, roubos e matar por mais dinheiro e poder. É como se a Coca-Cola fosse uma traficante de drogas e armas e todos os dias você bebesse uma lata do refrigerante.
Todavia, mesmo você sendo seu juiz, não quer dizer que o seu caráter consolidado pós-convencional não irá fazer a sociedade em que você está inserido ficar pior. Quem se droga, mesmo que sem querer, atrapalha a vida de dezenas de pessoas, a começar pelo ambiente familiar.
Nenhuma atitude do ser humano é isolada. Por isso, as atitudes devem ser baseadas num caráter que enxerga o coletivo.
Gottfried Leibniz (1646-1716) dizia que há dois tipos de verdade: a verdade de razão e a verdade de fato. A de razão, no caso do usuário de drogas gaúcho, é que não poderia reclamar na polícia pois ele mesmo estava envolvido num processo ilícito. Só que a verdade de fato, de ter sido ludibriado como consumidor, falou mais alto.
É de rir. Realmente. Mas a questão do uso de drogas, lícitas ou ilícitas, é mais complexa do que que podemos realmente ver com os olhos. Quem acredita no mundo espiritual e sua influência ininterrupta na vida na terra compreende que essa questão é profunda, mas que tem como parâmetro o caráter.
Ele é o único determinante para uma sociedade melhor para todos – e o melhor juiz é aquele que é melhor para um maior número de pessoas.