As várias versões

Você vive pensando em como seria sua vida se outras fossem suas escolhas?

Vive arrependido de ter seguido este ou aquele caminho?

Não consegue se livrar do amargor de uma vida que não o satisfaz, e fica pensando em como seria se pudesse voltar no tempo e seguir outra opção?

Pois é. Temos dificuldades de valorizar o aprendizado das nossa experiências, que surge, às vezes, das escolhas erradas.

A felicidade diz mais a respeito da nossa consciência tranquila pelo dever cumprido, do que das atitudes dos outros ou até mesmo de eventuais benefícios que podemos receber.

O sensacional Luis Fernando Veríssimo diz isso de uma maneira bem humorada no texto que reproduzo, e no final uma sugestão:

Versões

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que poderíamos ter sido. Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido pra Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo pra esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

– Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no botafogo.

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

– Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?

– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia…

– Eu sei, eu sei… – disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

– Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

– Como é que você sabe?

– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei… Levei um chute na cabeça. Não pude fazer mais nada, Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante…

– Ele chutaria pra fora.

Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.

– Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…

– E o que aconteceu? – perguntamos os três em uníssono.

– Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?

– Você…

– Morri com 28 anos.

Bem que tínhamos notado sua palidez.

– Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…

– E ter levado o chute na cabeça…

– Foi melhor – continuou – ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…

– Você deve estar brincando.

Disse alguém a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

– Quem é você?

– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida que a outra. As consequências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustrações. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.

– Quem é você? – perguntei.

– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

– E…?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado pra baixo.

 

1)      Extraído do livro Em algum lugar do paraíso, Ed. Objetiva.

2)      Existem diversos textos na internet atribuído a Luis Fernando Veríssimo, assim como a outros escritores. Sugiro a você que compre os livros e leia não só a uma história esparsa, mas que leia a obra toda a compreenda a visão do escritor naquele determinado momento, e que assim forme um conceito e uma crítica literária mais consistente. Se não puder comprar, nas bibliotecas públicas existem excelentes obras.

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