Realidade Ignorada

Hermínio Miranda2Ontem faleceu Hermínio Miranda, profícuo e lúcido pesquisador, tradutor e escritor.

Dizia-se um simples escriba, mas é reconhecido por quem lhe estuda as obras como um grande escriba.

Dentre escritos próprios e traduzidos sua produção atinge cerca de 50 livros.

Esteja em paz grande escriba, que continue iluminando com suas ideias e pensamentos esta geração e as próximas.

Reproduzo interessante artigo que foi posteriormente publicado no livro As duas faces da vida. Apesar de escrito há quase 20 anos é de atualidade impressionante

Realidade Ignorada

Sobre inúmeras coisas discordam os seres humanos, mas creio possível distinguir-se no troar de tão ruidosas manifestações de desentendimento o estribilho de um consenso a nos assegurar que vivemos uma época de perplexidade e, por conseguinte, de transição. Dependerá de nós, criaturas deste século que se extin­gue, se o milênio que se avizinha trará no seu bojo a tão sonhada e adiada felicidade coletiva ou se continuaremos a tatear na escuri­dão dos descaminhos.

A esperança de um encontro com nosso verdadeiro destino pa­rece autorizada precisamente porque o momento é de inquietação e desorientação. Explica-se o aparente paradoxo. Se estamos insa­tisfeitos com os modelos civilizadores até agora experimentados, é porque ansiamos por propostas e, obviamente, soluções mais inte­ligentes, menos traumáticas e tão definitivas quanto o permite a mutabilidade da própria vida.

Um exame retrospectivo, mesmo superficial, mas honesto, informa que ainda estamos tentando corrigir disfunções do pro­cesso civilizador trabalhando mais com as instituições do que com o ser humano que nelas se integra. Insistem pensadores, filó­sofos, sociólogos, governantes e líderes de toda espécie em traçar programas estruturais destinados, teoricamente, a melhorar a condição humana, mas – novo paradoxo! – ignorando o principal componente da equação da vida, ou seja, o ser humano, por mais que a demagogia ou a incúria estejam a trombetear que é tudo imaginado em proveito da sociedade. Não é. Nossos desacertos são gerados, antes de qualquer outra consideração, por proble­mas humanos. Mas como equacioná-los corretamente e gerir com um mínimo de competência os esquemas propostos, se ain­da não acrescentamos às fórmulas ditas salvadoras o indispensá­vel ingrediente da realidade espiritual?

As leis, os decretos, os códigos jurídicos, os programas sociais, os planos econômicos, as disciplinas científicas, os sistemas polí­ticos não estão ainda informados de que somos todos espíritos imortais, sobreviventes e reencarnantes, responsáveis perante a lei maior que regula o cosmos e as criaturas que o povoam.

Os aflitivos atritos entre árabes e judeus, por exemplo, se des­locariam prontamente para outra perspectiva se uns e outros se tornassem conscientes de que o árabe de hoje pode ter sido o ju­deu de ontem, em vidas anteriores, ou vir a ser o de amanhã, em vidas subsequentes.

Aquele que busca o enriquecimento a qualquer custo social ou ético precisa saber que estará sujeito a severo ajuste perante as leis divinas quando retornar ao mundo, em existência de priva­ções e carências. A crescente preocupação com as condições eco­lógicas, especialmente entre os mais jovens, constitui evidência do desconforto que estão experimentando as novas gerações de encontrarem aviltado, a caminho de total destruição, aquele mundo em que viveram há umas poucas gerações, limpo e har­monioso no funcionamento de seus mecanismos de equilíbrio ambiental. Ainda trazem aqueles, na memória inconsciente, lem­brança de um mundo no qual se podia beber a água cristalina dos rios, ouvir o canto dos pássaros, saborear a fruta e o legume sem tóxicos, respirar o ar incontaminado, contemplar o céu despoluído, caminhar sobre as paisagens sem as feias cicatrizes das mine­rações mutiladoras.

“Après moi, le déluge” (“Depois de mim, o dilúvio”), teria dito um soberano francês, num impulso arrogante de que-me-importismo egoísta. E difícil imaginar onde e como estaria hoje esse po­bre espírito, mas não resta dúvida de que armou contra si mesmo o mecanismo infalível da correção, dado que todos os nossos atos e até pensamentos constituem atitudes responsáveis, pelas quais temos de responder de alguma forma, algum dia, em algum pon­to do universo.

Não há, pois, fórmulas mágicas nem modelos competentes para equacionamento e solução das assustadoras crises sociais, políticas, econômicas e religiosas que marcaram, com a sua pre­sença, a tônica deste final de século. Os desajustes são profun­dos, antigos e resistentes. Não se resolvem no âmbito acanhado das leis humanas, nem com lideranças desinformadas da realida­de espiritual. Enquanto esse componente básico e vital não for incorporado às estruturas do pensamento, seremos todos reféns da insatisfação em vez de hóspedes da felicidade. Curioso, contu­do, que, por mais dramáticas que sejam as consequências e am­plitudes desse conceito revolucionário, ele começa com a singela e tão ignorada verdade de que o ser humano é, antes e acima de tudo, um espírito imortal.

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