Neste domingo estreia coluna semanal em parceria com o jornalista Daniel Polcaro, publicada simultaneamente aqui e no Defenestrando. Na pauta, filosofia, psicologia e espiritualidade nos temas da atualidade.
UM VERÃO, UM OUTONO, UM INVERNO, UMA PRIMAVERA
Os protestos no Brasil representam todas as estações para o povo brasileiro no raiar tardio de um novo tempo para a política, das condições de vida num país sem igual.
A comparação inevitável com a Primavera Árabe – como ficou conhecida a onda de protestos e manifestações no Norte da África e no Oriente Médio – dimensiona a verdadeira revolução catapultada pelos R$ 0,20 e contagiada para milhares de brasileiros que se sentiam menores diante de problemas e de verdadeiras pornografias administrativas do Poder Público.
Uma revolução se iniciou – não há dúvidas. Segundo o Houaiss, o termo pode ser diluído em quatro afirmações: rebelião armada, insurreição; mudança política radical; transformação súbita; volta completa de um astro em sua órbita.
Não que seja correta e definitiva todas as quatro formas e visões diante do que se viu nos últimos dias nas ruas do país. Todavia cada uma dessas assertivas condiz com o que ocorre por ora: ainda que as armas sejam as redes sociais, ainda que as armas sejam paus e pedras, elas estão sendo usadas. Claramente existe uma revolta, exigindo uma transformação súbita, bem rápida. Uma delas, pela mudança radical do fazer político, um método totalmente desgastado e errôneo. E ao que parece, mesmo que com atraso, a maioria conseguiu enxergar que o modelo de administração fechou seu ciclo. O astro já deu até mais que uma volta em sua órbita e o marketing é milagroso para tentar mostrar que a situação está só melhorando.
Dentro do ciclo proposto do ‘Duas Visões’, opino a situação atual do Brasil filosoficamente, psicologicamente e espiritualmente.
Cito Erasmo de Roterdã (1466-1536) para escorar minha visão: ‘Não saber nada é a vida mais feliz’. E milhões de brasileiros eram felizes e não sabiam… a verdade. A verdade doeu e o comodismo passa a incomodar. Botar a cara na rua suaviza esse processo do despertar tardio – o atual governo não é o primeiro que merecia essa onda gigantesca de protestos.
No campo psicológico, lembro Erich Fromm (1900-1908), para quem ‘a principal tarefa do homem é promover o seu próprio nascimento’. E completa: ‘aparentemente, nada é mais difícil de suportar, para o homem comum, do que o sentimento de não se identificar com o grupo’. O que ocorreu no Brasil, na minha visão, foi a identificação do despertar coletivo, de mudança, realizando a diferença cabal para a adesão aos movimentos ser tão grande e forte – por mais que convictos práticos, com teorias da conspiração, ficaram sentadinhos em casa.
Por fim, espiritualmente, foi a necessidade de crescimento, expansão. Diferentemente de outras épocas menos materialistas, precisamos nos desapegar do objeto e abraçar a causa imaterial do evoluir. O presente que cada pai ganhou com o marcha do filho em busca de um país maior, realmente de todos e justo é bem melhor, mais barato e importante do que o caminhar para o shopping.
Disse que o Brasil é um país sem igual, porque ele é muitos num só, são muitas pobrezas em muitas riquezas, são muitas riquezas em muitas pobrezas – e como em qualquer lugar, muitas verdades para pouca razão, que é individual e sagrada.
Essa é minha visão – individual e sagrada.
DANIEL POLCARO é jornalista, analista de redes sociais, webwrite e administra o Defenestrando.
O BRASIL NAS RUAS
“Todo poder emana do povo…”
Parece que o povo entendeu a frase que estava gritando na Constituição da República há várias décadas, e resolveu testar se isso funciona mesmo.
Ocorre que o poder exercido pelo povo se faz por representação.
O que o acontece quando os representantes não representam as vontades do representado?
A falta de sinergia entre os polos criou um mecanismo estranho no qual não há uma clara conexão entre a vontade do povo e a vontade dos políticos.
Não deveria ser o contrário?
Políticos realizando a vontade do povo, para o chamado bem comum?
Pois é.
Acontece que antigas oligarquias e elites que se acostumaram a oferecer pão e circo, estão de frente (quem sabe) a uma massa um pouco mais crítica (espero) que não quer saber nem só de pão e muito menos de circo.
A insatisfação generalizada de um movimento horizontal assusta os especialistas, mas acho que é melhor assim.
A maioria dos seres humanos pensa em seu próprio interesse para reivindicar.
Mas e quando a revindicação é por um mundo melhor, quem poderá nos atender?
Não existe político que possa construir um mundo melhor, no qual cultive valores morais, intelectuais e espirituais. Isso quem faz é cada indivíduo na necessária viagem ao seu interior.
Políticos podem e devem elaborar um programa para uma distribuição mais justa e igualitária das riquezas que pertencem ao país.
Mas isso tende a criar apenas um cenário favorável e propício para que este mesmo povo possa se dedicar a aprender a cultivar valores do espírito.
O exercício cultural e artístico que lhe dê prazer e crescimento, não só uma satisfação instantânea e efêmera. Uma busca pelo conhecimento intelectual que lhe faça pensar as razões por que está neste mundo.
Uma cultura de saber e de ser, muito além do ter.
As reivindicações genéricas “de um Brasil melhor” revelam que na verdade, nem todos sabem exatamente o que querem, mas que talvez isto seja um desejo intuitivo, inconsciente e legítimo de apenas Ser melhor.
Elder Cardoso