No fim de semana que passou faleceu o Dr. Saulo Ramos, advogado e jurista que protagonizou vários episódios na vida jurídica do Brasil. Foi uma figura atuante na vida pública brasileira, além de ser bastante controvertida.
Desde o ano passado eu queria ter escrito aqui um relato que li sobre ele e que tinha a ver com o momento vivido em algumas situações na vida jurídica.
É que sempre existiu um glamour no cargo de ministro das altas cortes do país, e ultimamente o processo de escolha vem sendo jogado às claras.
No ano passado veio a público o intenso lobby do atual ministro do STF, Dr. Luiz Fux (veja mais aqui) para conseguir sua indicaçãoao cargo. Uma verdadeira campanha política, mas sem que isso viesse a público, obviamente.
Nas reportagens jornalísticas ficou claro o “pega pra capar” que é este processo.
Seria muito ingênuo achar que a indicação seria de alguém que está atarefado em sua mesa de trabalho e sequer sem compromisso com quem quer que seja, e fosse somente detentor do necessário notável saber jurídico e de reputação ilibada.
Se tem ministro sem notável saber jurídico, que dirá sem reputação ilibada…
Evidente o interesse político, troca de favores, e naturalmente o intenso lobby dos padrinhos, visando receber a fatura depois.
O Ministro Fux chegou a afirmar: “bati na trave três vezes”, referindo-se a indicações anteriores.
E o que tem o Saulo Ramos a ver com isso?
Pois é. O Dr. Saulo Ramos foi consultor-geral da República e ministro da Justiça do Governo Sarney e em 2007 escreveu um livro, que na verdade é um romance autobiográfico, chamado “Código da Vida”, no qual relata diversos episódios da vida política brasileira.
Neste livro ele relata uma situação interessante envolvendo seu antigo pupilo e hoje o decano[1] da Suprema Corte Ministro Celso de Mello, em uma situação atualmente comum, que é de pressão da mídia para adoção de determinada posição em julgamentos rumorosos.
Ou seja, o modus operandi não é novo, e a motivação é a mesma de sempre: para defender interesses inconfessáveis.
Vejamos o trecho do livro que relata o julgamento de José Sarney que havia mudado o domicílio eleitoral, o STF deveria julgar se o político deveria ser cassado ou não. A grande questão é como um ministro muda tão fácil de opinião ao sabor das conveniências.
Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:
— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.
— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.
(…)
O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.
Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.
Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.
Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.
— Claro! O que deu em você?
— É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim.
— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
— Exatamente. O senhor entendeu?
— Entendi. Entendi que você é um juiz de m#%d@! [2]
Bati o telefone e nunca mais falei com ele.