Estado brasileiro é laico.
Isso quer dizer que não temos uma religião oficial.
Não quer dizer que sejamos um Estado ateu. Apenas que não há uma religião oficial, denotando uma liberdade de opção e exercício religioso.
No entanto, qualquer igreja ou entidade religiosa que queira se estabelecer no Brasil deve se submeter às regras e normas do direito brasileiro.
Isso parece tão simples, não é?
Mas não é isso que ocorre.
Por vezes, fanatismo e ignorância agridem e ofendem o direito de outro ser humano em nome de uma religião.
Parece paradoxal, mas infelizmente os tribunais estão cheios disso.
Eu mesmo estou às voltas com um caso de abuso de uma associação religiosa na exclusão de um associado, na qual houve desrespeito às garantias constitucionais e legais.
Repito, qualquer instituição que queira se instalar no Brasil, deve respeitar nossos valores que constituem o Estado, que segundo a Constituição da República é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
Pois não que existem instituições religiosas que desrespeitam justamente a dignidade da pessoa humana, em seus valores mais intrínsecos.
A matéria a seguir é um exemplo disso:
Professora demitida por ter se divorciado e casado novamente será indenizada por dano moral
Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região manteve condenação de R$150 mil por danos morais de instituição educacional que demitiu professora de ensino religioso por ter se divorciado e casado novamente.
A professora trabalhou para o Instituto Adventista de Educação e Assistência Social Norte Brasileira (Belém-PA) e alegou sofrimento psicológico e dor moral por ter sido desligada da instituição com base em preceitos e princípios religiosos, ainda que tenha agido de acordo com as leis e o direito do País. Segundo ela, a demissão veio após o segundo casamento, três anos depois de estar divorciada.
Julgada na 10ª Vara do Trabalho de Belém, a instituição foi condenada ao pagamento da indenização por compensação moral, ainda, à multa convencional por atraso no pagamento de férias e mais honorários advocatícios. A instituição de ensino recorreu da condenação ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região (Pará e Amapá), em ação julgada pela Primeira Turma do TRT 8, que teve como relator o desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar.
Entre as alegações, a instituição de ensino informou que houve equívoco do Primeiro Grau ao concluir que a dispensa da reclamante teria como causa o seu divórcio, pois a mesma teria sido fundada na “finalidade estatutária da instituição”, pois “a imagem dessa estaria sendo prejudicada pelas próprias atitudes da autora, sendo [a dispensa] uma forma de proteção à imagem e ao estatuto da recorrente”. Também foi questionado o valor da indenização, o que, para a escola, levaria ao “enriquecimento sem causa” da reclamante.
Para o relator do processo, ficou provado que a demissão da professora se deu de forma arbitrária e imotivada, pois decorreu de fato do divórcio da mesma e de seu segundo casamento, conforme transcrição de áudio confirmada em juízo.
O relator esclarece no Acórdão que foi aplicado ao caso o direito laico brasileiro, “e não a lei mosaica, a Bíblia Sagrada (Antigo e Novo Testamento), o Código de Direito Canônico ou a Torá. Por isso mesmo nenhuma das razões recursais vinculadas à religião – adventista, no caso – será considerada, porque impertinentes para o exame do caso e da causa.” Isto posto, o relator conclui que, mesmo sendo a escola confessional e a professora seja da área de ciências da religião, seu segundo casamento é permitido pela lei brasileira e não pode ser usado como motivo para a demissão, ainda que sem justa causa.
“Nessas circunstâncias, trata-se – reitere-se – de despedida com opróbrio, discriminatória, ofensiva e causadora de sofrimento psicológico e dor moral, inclusive porque a reclamante-recorrida casou em segundas núpcias com homem da mesma denominação religiosa. A condição de gênero agrava o dano moral”, disse o relator .
Continua o desembargador José Maria Quadros de Alencar: “A reclamada-recorrente fez sua escolha administrativa e ao fazê-lo provocou uma fricção entre uma doutrina religiosa e o direito, e não pode esperar do Estado-juiz – laico por definição – que aplique neste processo preceitos religiosos em detrimento do direito e da lei do país, um e outra laicos também, por definição. A reclamante-recorrida tem todo o direito de se divorciar e de contrair novas núpcias e não pode ser discriminada ou despedida por essa escolha legítima, legal e juridicamente protegida.”
Sobre o possível dano à imagem da instituição o magistrado define. “Não serve de atenuante para a má conduta da reclamada-recorrente o alegado prejuízo que o segundo casamento da reclamante-recorrida lhe trouxe, prejudicando-lhe a imagem, pois prejuízo maior para sua imagem resultou da despedida com opróbrio e do ato de intolerância que assim praticou. A reclamada-recorrente é uma respeitada e respeitável instituição confessional de ensino […] e, se efetivamente tivesse bem cuidado de sua própria imagem perante toda a sociedade paraense, não teria praticado o ato infamante que assim praticou.”
Em seu voto, o desembargador, acompanhado pela maioria dos desembargadores, manteve a sentença da 10ª Vara Trabalhista que considerou que o dano moral no caso foi grave, pois a professora teve violada sua intimidade, honra e imagem. E destaca ainda que, embora no caso pudesse ser aplicada a compensação em 10% do valor máximo de 3,6 mil salários mínimos, para casos de dano moral, o que resultaria, considerando-se o salário mínimo de R$ 678,00, em indenização de R$ 244.080,00, a própria reclamante pede a indenização no valor de R$ 150.000,00, pelo que não poderia o juízo condenar em valor maior (ultra petita), “ficando, por isso, mantida a condenação da sentença recorrida, que deverá ser acrescida de juros e correção monetária.”
Link: http://www.trt8.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2814
Fonte: Associação dos Advogados do Interior Paulista